A Dioscorea hispida Dennst., um membro da vasta família Dioscoreaceae, é uma planta trepadeira conhecida por seus tubérculos que, embora nutritivos, são notoriamente tóxicos se não forem processados corretamente. Nativa do Sudeste Asiático, esta espécie tem uma longa história de uso tanto como alimento de subsistência em tempos de escassez quanto como um potente remédio tradicional em várias culturas. A planta é caracterizada por seus caules espinhosos e folhas trifoliadas, mas são seus tubérculos subterrâneos que detêm o maior interesse, contendo uma complexa mistura de compostos bioativos, incluindo o alcaloide venenoso dioscorina e saponinas esteroidais como a diosgenina.
A dualidade da Dioscorea hispida como fonte de alimento e veneno a torna um fascinante objeto de estudo etnobotânico e farmacológico. As comunidades tradicionais desenvolveram métodos de desintoxicação elaborados e demorados, como fatiar, prensar, lavar em água corrente ou salgada e cozinhar, para tornar os tubérculos seguros para o consumo. Ao mesmo tempo, a medicina popular tem aproveitado suas propriedades tóxicas para tratar uma variedade de condições, desde feridas e infecções de pele até diabetes e hipertensão.
A pesquisa científica moderna busca validar esses usos tradicionais, explorando o potencial terapêutico de seus compostos para aplicações em cosméticos, agricultura e até mesmo como agentes anticancerígenos, ao mesmo tempo em que destaca os graves riscos associados ao seu consumo impróprio.
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Nomes Populares
- Português: Inhame-selvagem-tóxico, cará-venenoso
- Inglês: Intoxicating Yam, Asiatic Bitter Yam, Wild Yam
- Malaio: Ubi Gadong, Gadung
- Indonésio: Gadung, Iwi
- Tailandês: Kloi
- Filipino: Nami, Kalot
Família Botânica

Dioscorea hispida é uma liana perene trepadeira, com caules que podem ser lisos ou cobertos por espinhos curtos e rígidos, dependendo da variedade. As folhas são alternas, trifoliadas (compostas por três folíolos), com folíolos ovados a lanceolados, de textura coriácea e nervuras proeminentes. As flores são pequenas, dioicas (plantas masculinas e femininas separadas), de cor verde-amarelada ou branca, dispostas em inflorescências axilares. Os frutos são cápsulas aladas, típicas do gênero Dioscorea. Os tubérculos subterrâneos são irregulares, de tamanho variável, com casca marrom-acinzentada e polpa interna branca a amarelada, rica em amido, mas também contendo alcaloides tóxicos (principalmente dioscorina) e glicosídeos cianogênicos.
Dioscoreaceae
Partes Usadas
- Folhas
- Tubérculos (após desintoxicação)
Usos Etnobotânicos
- Alimento de emergência (após desintoxicação)
- Controle de pragas na agricultura
- Dores de estômago
- Furúnculos
- Hanseníase
- Reumatismo
- Tratamento de feridas
Propriedades Medicinais
- Analgésica alivia a dor
- Anticancerígena (in vitro) inibe o crescimento de células cancerígenas em laboratório
- Antidiabética ajuda a regular os níveis de açúcar no sangue
- Anti-inflamatória reduz a inflamação
- Antimicrobiana inibe o crescimento de microrganismos
- Antioxidante combate os danos dos radicais livres
- Cicatrizante acelera a cura de feridas
- Hipoglicêmica reduz os níveis de glicose no sangue
- Larvicida mata larvas de insetos
- Pesticida usado para matar pragas
Sinergia com Outras Plantas
Dioscorea hispida e Curcuma longa (Cúrcuma)
Nível de sinergia ★★★★☆
A combinação do extrato de Dioscorea hispida com a curcumina da Cúrcuma pode potencializar a atividade anti-inflamatória. Enquanto a dioscorina e outros compostos da D. hispida demonstram efeitos anti-inflamatórios, a curcumina é um poderoso inibidor de vias inflamatórias como a NF-κB. Juntos, podem oferecer uma abordagem mais robusta para condições inflamatórias crônicas, embora a toxicidade da D. hispida exija formulações seguras e de uso tópico.
Dioscorea hispida e Azadirachta indica (Neem)
Nível de sinergia ★★★★★
Para aplicações pesticidas e larvicidas, a sinergia é excelente. O alcaloide dioscorina da D. hispida tem ação neurotóxica em insetos, enquanto a azadiractina do neem atua como um regulador de crescimento e antialimentar. A combinação dos extratos pode criar um biopesticida de amplo espectro, mais eficaz e com diferentes modos de ação, reduzindo a chance de desenvolvimento de resistência pelas pragas.
Dioscorea hispida e Aloe vera
Nível de sinergia ★★★☆☆
Em preparações tópicas para cicatrização de feridas, o extrato (detoxificado) de D. hispida pode ser combinado com o gel de Aloe vera. A D. hispida possui propriedades antimicrobianas que ajudam a prevenir infecções, enquanto a Aloe vera é conhecido por suas propriedades calmantes, hidratantes e de estímulo à regeneração celular. A combinação pode resultar em uma cicatrização mais rápida e com menor risco de infecção.
Dioscorea hispida e Zingiber officinale (Gengibre)
Nível de sinergia ★★☆☆☆
O uso interno desta combinação é perigoso devido à toxicidade da D. hispida. No entanto, em um contexto tópico para alívio de dores reumáticas, a propriedade analgésica da D. hispida poderia ser complementada pela ação anti-inflamatória e de aquecimento do gengibre. Uma cataplasma ou pomada contendo extratos de ambos poderia proporcionar alívio localizado, mas a formulação deve garantir a segurança dérmica.
Dioscorea hispida e Camellia sinensis (Chá Verde)
Nível de sinergia ★★★☆☆
Para aplicações cosméticas, a combinação de extratos de D. hispida e Chá Verde é promissora. O extrato de D. hispida tem potencial antirrugas e antipigmentação, enquanto o chá verde é rico em antioxidantes (EGCG) que protegem a pele do estresse oxidativo. Juntos, podem formar a base de produtos antienvelhecimento que atuam tanto na inibição de enzimas (elastase) quanto na proteção contra danos dos radicais livres.
Composição Científica (Fitoquímicos)
- Alcaloides (principalmente dioscorina, um alcaloide neurotóxico)
- Amido (principal componente nutricional após desintoxicação)
- Compostos fenólicos (incluindo flavonoides e taninos)
- Diosgenina (uma sapogenina esteroidal com potencial farmacêutico)
- Glicosídeos cianogênicos (precursores de cianeto de hidrogênio)
- Saponinas esteroidais (como a diosgenina)
Contraindicações e Precauções
Alta Toxicidade
O consumo dos tubérculos de Dioscorea hispida sem um processo de desintoxicação completo e rigoroso é extremamente perigoso e pode ser fatal. A planta contém dioscorina, um alcaloide que causa paralisia do sistema nervoso central, e glicosídeos cianogênicos, que liberam cianeto.
Uso Interno Desaconselhado
Devido ao alto risco de envenenamento, o uso interno de qualquer parte da planta, mesmo em pequenas quantidades, é fortemente desaconselhado sem o conhecimento tradicional comprovado e seguro de desintoxicação. A automedicação é extremamente perigosa.
Gravidez e Lactação
O uso é absolutamente contraindicado durante a gravidez e a lactação devido aos seus compostos tóxicos, que podem causar danos graves ao feto ou ao bebê.
Contato com a Pele
Mesmo o manuseio da planta ou de seus extratos brutos pode causar irritação na pele em indivíduos sensíveis. Recomenda-se o uso de luvas ao manusear os tubérculos crus.
Interação Medicamentosa
Não há estudos suficientes sobre as interações medicamentosas, mas devido à sua toxicidade, a planta pode interferir com medicamentos que atuam no sistema nervoso central, medicamentos para o coração e anticoagulantes. O uso concomitante com qualquer medicamento deve ser evitado.
Modo de Uso (Receitas)

Os tubérculos de Dioscorea hispida são a parte mais significativa e perigosa da planta. Eles são estruturas de armazenamento subterrâneas que podem variar em tamanho, forma e cor, geralmente apresentando uma casca marrom-acinzentada e uma polpa interna que pode ser branca, amarelada ou até levemente rosada. A superfície dos tubérculos pode ter raízes fibrosas aderidas e uma textura irregular. Estes tubérculos são ricos em amido, mas também contêm altas concentrações de dioscorina (um alcaloide neurotóxico) e glicosídeos cianogênicos, tornando-os extremamente venenosos se consumidos crus ou mal processados. As imagens desta categoria são essenciais para a seção de “Modo de Uso”, especialmente para ilustrar os processos de desintoxicação, ou para a seção de “Contraindicações” para enfatizar visualmente os riscos associados ao manuseio e consumo inadequado.
Cataplasma para Furúnculos e Dores Reumáticas (Uso Externo)
Ingredientes
- 1 pequena porção do tubérculo de Dioscorea hispida
- Água
Modo de Preparo
- Rale finamente uma pequena quantidade do tubérculo fresco. Atenção: use luvas durante o manuseio.
- Adicione um pouco de água morna para formar uma pasta espessa.
Como Usar
- Aplique a pasta diretamente sobre a área afetada (furúnculo ou articulação dolorida).
- Cubra com um pano limpo e deixe agir por 15-20 minutos.
- Remova e lave bem a área. Use apenas uma vez ao dia e descontinue ao primeiro sinal de irritação na pele.
Extrato para Uso como Biopesticida
Ingredientes
- 100g de cascas e pequenos pedaços do tubérculo de Dioscorea hispida
- 1 litro de água
Modo de Preparo
- Pique os pedaços do tubérculo (com luvas) e coloque-os em um recipiente com a água.
- Deixe a mistura em maceração por 24 a 48 horas, em local escuro e arejado.
- Após o período, coe o líquido em um pano fino.
Como Usar
- Dilua o extrato em 5 partes de água (1 parte de extrato para 5 de água).
- Adicione uma colher de chá de sabão neutro para ajudar na fixação nas folhas.
- Pulverize sobre as plantas infestadas por pragas, como pulgões e lagartas, ao final da tarde. Evite aplicar em plantas comestíveis perto da colheita.
Farinha Detoxificada (Processo Tradicional Complexo)
AVISO: Este processo é complexo, demorado e requer conhecimento prático. A falha em qualquer etapa pode resultar em um produto final tóxico. Esta receita é fornecida apenas para fins informativos e etnobotânicos.
Ingredientes
- Tubérculos de Dioscorea hispida
- Água corrente (de um rio, tradicionalmente) ou água salgada
- Cinzas de madeira (opcional, em alguns métodos)
Modo de Preparo
- Descasque e fatie os tubérculos em lascas muito finas.
- Coloque as fatias em um saco de pano ou cesta e mergulhe em água corrente (como um riacho) por 3 a 5 dias, ou em água salgada, trocando a água várias vezes ao dia. O objetivo é lixiviar (remover por lavagem) os compostos tóxicos solúveis.
- Algumas tradições esfregam as fatias com cinzas para ajudar a neutralizar as toxinas.
- Após a lixiviação, as fatias são prensadas para remover o excesso de água.
- As fatias são então cozidas em água fervente ou a vapor.
- Finalmente, as fatias cozidas são secas ao sol por vários dias até ficarem completamente desidratadas.
Como Usar
- As lascas secas e desintoxicadas podem ser moídas para produzir uma farinha.
- Esta farinha pode ser usada para fazer pães, mingaus ou outros pratos, servindo como uma fonte de carboidratos em tempos de escassez de alimentos.
Curiosidades
O Alimento da Fome
Historicamente, a Dioscorea hispida é conhecida como um “alimento da fome”. Em muitas comunidades rurais do Sudeste Asiático, ela serve como um recurso alimentar crucial durante períodos de seca, quebra de safras ou conflitos, quando outras fontes de alimento se tornam indisponíveis. O conhecimento para desintoxicá-la é passado através de gerações como uma habilidade de sobrevivência vital.
Veneno de Caça e Pesca
Além de seu uso como alimento, as propriedades tóxicas dos tubérculos crus eram aproveitadas em algumas culturas como veneno para caça e pesca. O extrato do tubérculo era usado para envenenar as pontas de flechas ou lanças, ou era jogado em corpos d’água para paralisar os peixes, facilitando sua captura.
Um Indicador de Solo
Em algumas regiões, a presença de Dioscorea hispida crescendo selvagemente é considerada um indicador de solo pobre ou degradado. A planta é robusta e capaz de prosperar em condições onde muitas culturas agrícolas não sobreviveriam, tornando-se um símbolo de resiliência na natureza.
A Origem do Nome “Gadong”
Em malaio e indonésio, o nome “Gadong” está fortemente associado a veneno e intoxicação. A palavra é frequentemente usada em expressões idiomáticas para descrever algo traiçoeiro ou uma pessoa com um sorriso encantador, mas intenções perigosas, refletindo a natureza dual da planta: atraente e nutritiva, mas potencialmente mortal.
Potencial Cosmético
Pesquisas recentes têm explorado o potencial do extrato de Dioscorea hispida na indústria cosmética. Estudos in vitro sugerem que o extrato pode inibir a elastase (uma enzima que degrada a elastina da pele) e a tirosinase (envolvida na produção de melanina), indicando um possível uso em produtos anti-rugas e para clareamento da pele, desde que formulado de maneira segura.
Perguntas Frequentes (FAQ)
É seguro comer Dioscorea hispida?
Não, não é seguro comer Dioscorea hispida crua ou mal processada. Os tubérculos contêm alcaloides neurotóxicos e compostos cianogênicos que podem causar paralisia, dificuldade respiratória e até a morte. O consumo só é possível após um processo de desintoxicação longo e cuidadoso, geralmente conhecido apenas por comunidades tradicionais.
Qual a diferença entre a Dioscorea hispida e outros inhames?
A principal diferença é a sua alta toxicidade. Enquanto a maioria dos inhames comestíveis (como o cará ou o inhame-da-costa) pode ser consumida após o cozimento simples, a D. hispida requer um processo de lixiviação (lavagem extensiva) e cozimento para remover múltiplos compostos venenosos. Morfologicamente, ela é frequentemente identificada por seus caules espinhosos.
Para que serve a dioscorina?
A dioscorina é o principal alcaloide tóxico da planta. Do ponto de vista da planta, ela serve como um mecanismo de defesa contra herbívoros. Do ponto de vista humano, ela é um veneno potente. No entanto, cientificamente, seu esqueleto químico é estudado para entender os mecanismos de neurotoxicidade e, potencialmente, para o desenvolvimento de novos fármacos ou pesticidas.
Posso usar Dioscorea hispida para tratar diabetes?
Embora alguns estudos in vitro e em animais sugiram que extratos da planta possam ter atividade hipoglicêmica, o uso em humanos para tratar diabetes é extremamente perigoso e desaconselhado. A dose terapêutica estaria perigosamente próxima da dose tóxica. Existem muitas outras plantas e medicamentos seguros e eficazes para o controle do diabetes.
Como a Dioscorea hispida é usada na agricultura?
Tradicionalmente, os agricultores preparam um extrato aquoso dos tubérculos crus para usar como um pesticida natural. A neurotoxicidade da dioscorina é eficaz contra uma variedade de insetos e pragas que atacam as plantações, tornando-a uma alternativa orgânica (embora perigosa de manusear) aos pesticidas sintéticos.
O que é a diosgenina encontrada na planta?
A diosgenina é uma saponina esteroidal encontrada em muitas espécies do gênero Dioscorea, incluindo a D. hispida. Ela é um importante precursor na síntese de hormônios esteroides, como a progesterona e a cortisona. Embora presente na D. hispida, outras espécies de Dioscorea com teores mais altos e sem a mesma toxicidade são geralmente preferidas para a extração comercial de diosgenina.
Referências Científicas
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